domingo, 1 de abril de 2012

LUTO DA FAMÍLIA SILVA


       
       UMA CRÔNICA DE RUBEM BRAGA



        A Assistência foi chamada. Veio tinindo. Um homem estava deitado na calçada. Uma poça de sangue. A Assistência voltou vazia. O homem estava morto. O cadáver foi removido para o necrotério. Na seção dos "Fatos Diversos" do Diário de Pernambuco, leio o nome do sujeito: João da Silva. Morava na Rua da Alegria. Morreu de hemoptise.
       João da Silva - Neste momento em que seu corpo vai baixar à vala comum, nós, seus amigos e seus irmãos, vimos lhe prestar esta homenagem. Nós somos os joões da silva. Nós somos os populares joões da silva. Moramos em várias casas e em várias cidades. Moramos principalmente na rua. Nós pertencemos, como você, à família Silva. Não é uma família ilustre; nós não temos avós na história. Muitos de nós usamos outros nomes, para disfarce. No fundo, somos os Silva. Quando o Brasil foi colonizado, nós éramos os degredados. Depois fomos o índios. Depois fomos os negros. Depois fomos imigrantes, mestiços. Somos os Silva. Algumas pessoas importantes usaram e usam nosso nome. E por engano. Os Silva somos nós. Não temos a mínima importância. Trabalhamos, andamos pelas ruas e morremos. Saímos da vala comum da vida para o mesmo local da morte. Às vezes, por modéstia, não usamos nosso nome de família. Usamos o sobrenome "de Tal". A família Silva e a família "de Tal" são a mesma família. E, para falar a verdade, uma família que não pode ser considerada boa família. Até as mulheres que não são de família pertencem à família Silva. 
      João da Silva - Nunca nenhum de nós esquecerá seu nome. Você não possuía sangue azul. O sangue que saía de sua boca era vermelho - vermelhinho da silva. Sangue de nossa família. Nossa família, João, vai mal em política. Sempre por baixo. Nossa família, entretanto, é que trabalha para os homens importantes. A família Crespi, a família Matarazzo, a família Guinle, a família Rocha Miranda, a família Pereira Carneiro, todas essas famílias assim são sustentadas pela nossa família. Nós auxiliamos várias famílias importantes na América do Norte, na Inglaterra, na França, no Japão. A gente de nossa família trabalha nas plantações de mate, nos pastos, nas fazendas, nas usinas, nas praias, nas fábricas, nas minas, nos balcões, no mato, nas cozinhas, em todo lugar onde se trabalha. Nossa família quebra pedra, faz telhas de barro, laça os bois, levanta os prédios, conduz os bondes, enrola o tapete do circo, enche os porões dos navios, conta o dinheiro dos Bancos, faz os jornais, serve no Exército e na Marinha. Nossa família é feito Maria Polaca: faz tudo.
        Apesar disso, João da Silva, nós temos de enterrar você é mesmo na vala comum. Na vala comum da miséria. Na vala comum da glória, João da Silva. Porque nossa família um dia há de subir na política...

                                                                                 Rubem Braga  


Crônicas Escolhidas
Rio de Janeiro, José Olympio, 1951.




Obs.:
E não é que a família "Silva" teve, recentemente, um dos seus membros a governar o Brasil?
Tivemos, por dois mandatos, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
E para orgulho da família "Silva": independente dos que o "aplaudiram" ou não, o Presidente teve reconhecimento mundial, não só como um mero político, mas como um "estadista"!!!
Ainda fez sua sucessora que aí está a governar o Brasil: Presidente "Dilma Roussef." A primeira mulher eleita Presidente do Brasil!


2 comentários:

Blog da Terezinha Sobreira de VS disse...

Desde que aderi ao Google + não consigo postar comentário em blogsposts nem conseguem postar comentário nas minhas páginas.
Ainda não consegui resolver a questão.
Se alguém souber, ensine-me, por favor.

marilisa disse...

Excelente escolha desse texto, sempre atual!
Um grande abraço e uma Feliz e amorosa Páscoa!