domingo, 12 de fevereiro de 2012

MACHADO DE ASSIS E O CARNAVAL



"... Os meus patrícios iam ter um bom carnaval, - velha festa, que está a fazer quarenta anos, se já os não fez. Nasceu um pouco por decreto, para dar cabo do entrudo, costume velho, datado da colônia e vindo da metrópole. Não pensem os rapazes de vinte e dois anos que o entrudo era alguma coisa semelhante às tentativas de ressurreição, empreendidas com bisnagas. Eram tinas d'água, postas nas ruas ou nos corredores, dentro das quais metiam à força um cidadão todo, - chapéu, dignidade e botas. Eram seringas de lata; eram limões de cera. Davam-se batalhas porfiadas de casa a casa, entre a rua e as janelas, não contando as bacias d'água despejadas à traição. Mais de uma tuberculose caminhou em três dias o espaço de três meses. Quando menos, nasciam as constipações e bronquites, rouquidões e tosses, e era a vez dos boticários, porque, naqueles tempos infantes e rudes, os farmacêuticos ainda eram boticários.

... O limão de cera, que de longe podia escalavrar um olho, tinha um ofício mais próximo e inteiramente secreto. Servia a molhar o peito das moças; era esmigalhado nele pela mão do próprio namorado, maciamente, amorosamente, interminavelmente...

Um dia veio, não Malesherbes, mas o carnaval, e deu à arte da loucura uma nova feição. A alta-roda acudiu de pronto; organizaram-se sociedades, cujos nomes e gestos ainda esta semana foram lembrados por um colaborador da Gazeta. Toda a fina flor da capital entrou na dança. Os personagens históricos e os vestuários pistorescos, um doge, um mosqueteiro, Carlos V, tudo ressurgia à mão dos alfaiates, diante de figurinos, à força de dinheiro. Pegou o gosto das sociedades, as que morriam eram substituídas, com vária sorte, mas igual animação.

Naturalmente, o sufrágio universal, que penetra todas as instituições deste século, alargou as proporções do carnaval, e as sociedades multiplicaram-se, como os homens. O gosto carnavalesco invadiu todos os espíritos, todos os bolsos, todas as ruas."
                                          


(12-02-1893)






Extraído do livro MACHADO DE ASSIS - Crônicas.
Coleção "Nossos Clássicos".
Livraria AGIR Editora, 2ª edição, 1972, Rio de Janeiro

Um comentário:

Marilisa Peeters disse...

CArnaval sem a malícia de hoje...velhos tempos.
bjs minha querida!